terça-feira, 8 de março de 2011

[Soteriologia] RELIGIÃO ESPIRITUAL

O ESPÍRITO É O QUE VIVIFICA; A CARNE PARA NADA APROVEITA (JOÃO 6: 63)

Para um leitor desavisado parecerá que o sentido dessa passagem está à superfície, mas quem estudou o capítulo verá que a sentença está repleta de dificuldades quanto a sua interpretação. Todavia, não tomarei o tempo de vocês entrando numa discussão crítica do texto; tentarei dar-lhes o que penso que o Espírito tinha em mente quando Jesus pronunciou esta frase. Depois voltarei para o sentido que acho que seria dado por alguém que não estuda muito a bíblia. Se eu estiver certo, mesmo que seja esta a verdade da passagem, irei demorar-me um pouco nisto.

“O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita”. Acho que no mundo inteiro não há quem consiga formar uma idéia inteligente do que seja um espírito. É muito fácil definir um espírito dizendo o que ele não é, mas eu duvido que existe alguém que possa formar uma idéia do que ele é. Às vezes falamos sobre ver um espírito; pessoas ignorantes dos tempos idos, ou aldeões do tempo de hoje, dizem que viram espírito à noite. Eles deviam saber que estão se contradizendo. Coisas materiais podem ser vistas, mas um espírito, mesmo se se vestisse com alguma substância. O espírito é algo que não pode ser tocado, visto, cheirado ou percebido de outra forma pelos sentidos; se fosse, isso seria a prova de que não era um espírito, mas algo material. Dividimos todas as coisas em matéria e espírito, e tudo o que pode ser reconhecido pelos sentidos é matéria, você pode ter certeza. Um espírito é sutil demais para ser visto ou ser percebido por algum outro sentido. Por isso digo que não existe ninguém em nosso estado mortal que poderá definir o que é um espírito, só pode dizer o que não é.

Existe um lugar onde os espíritos habitam sem corpo: é certo que no mundo futuro, no estado que se interpõe entre a morte dos santos e o dia da ressurreição, eles permanecem diante do trono de Deus sem corpo --- espíritos puros sem nenhum corpo. Pode ser que os anjos tenham algum tipo de corpo; não poderíamos imaginar o que seria o que são os anjos se eles não tivessem alguma forma ou aparência, mas é bastante certo que os santos diante do trono não têm nenhuma forma ou rosto. São espíritos puros, cuja substância não conseguimos imaginar; são sem mácula e sem matéria. Na terra você não vai encontrar um espírito puro. Todos nós somos espíritos dentro de um corpo e, de alguma forma, pelo fato de que alma e espírito são sempre encontrados em corpos, confundimos corpos e espíritos. Entretanto, devemos sempre estar cientes que corpos e espíritos são distintos; mesmo que Deus não tenha feito nenhum espírito sem uma casa onde morar, uma casa chamada corpo, este não é o espírito. “o espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita”.

Você vai concordar facilmente comigo que ninguém sabe dizer onde no corpo humano está a vida. Em vão um cirurgião coloca um cadáver sobre a mesa e o disseca; ele não vai encontrar a vida nem no cérebro nem no coração. Ele pode cortar o corpo em fatias da forma que quiser --- não encontrará nada que possa tocar, segurar e dizer: “isso é a vida”. Ele pode ver todos os efeitos --- os membros que se movem, as manifestações da vida causadas por algo sobrenatural, mas a vida ele não pode ver. Ela está totalmente fora de sua visão e, depois de procurar o quanto quiser, ele põe o bisturi de lado e diz: “não adianta procurar mais; há um espírito que aviva este corpo; para a procura da vida esta carne não me serve de nada. Eu poderia da mesma forma procurar uma alma em uma pedra ou em uma das colunas que sustentam este prédio; não acharei nada se estiver procurando algo que se pode ver, tocar, cheirar, sentir gosto ou de qualquer forma distinguir e descrever como um espírito”.

Esta ilustração leva-me a uma verdade. Nós estamos reunidos aqui como espíritos, como almas. Estamos aqui em nossos corpos; eles são a casa em que vivemos. Eu duvido que exista alguém que pode se definir; o máximo que alguém pode dizer é: “Eu sou, eu sei que existo, mas que tipo de coisa meu espírito é, não sei. Não sei dizer; não tenho a informação do que seja. Eu o sinto; eu sei que ele move meu corpo; percebo suas manifestações exteriores. Tenho certeza da minha existência, mas o que sou eu não sei; só Deus pode dizer”. “Eu sou o que sou” é compreensível para Deus, mas o ser humano é incompreensível para si mesmo. Mesmo que Deus lhe permita dizer: “Pela graça de Deus sou o que sou”, ele não sabe dizer o que é; ele não compreende sua própria existência. Entenda, então, que, assim como em nosso ser há um mistério em nossa carne, assim a religião, a religião verdadeira do Deus bendito, para ser adequada a nós, precisa ser uma religião do espírito; mas como temos um corpo, ela também precisa vestir-se de um corpo. Permita-me tornar isto claro, se eu puder; se você não o compreender agora, com certeza você o terá compreendido quando eu terminar. Nós somos espíritos dentro de corpos. Para adequar-se a nós, portanto, a grande obra de Deus em nós tem que ser algo espiritual; mas, para que eu possa falar sobre isso e você possa ouvi-lo, o que é espiritual, precisa ser inserido em corpo. Se fosse puramente espiritual, eu não poderia falar dele, assim como não poderia falar de um espírito se não há um corpo em que ele se encontra e um corpo que eu vivo para falar dele. Quero lhes mostrar isto porque algumas há pessoas que se ocupam tanto do corpo da religião que esquecem totalmente que a religião tem um espírito.

O que Jesus quis dizer nesta passagem é: “Simplesmente incorporar uma religião não adianta nada; é o espírito que vivifica”. Assim como, usando novamente a minha ilustração, para realizar um ato, só carne e sangue, braços e pernas não servem para nada, é preciso que o espírito avive os ossos e mova os tendões e ative os nervos. A religião tem sua forma exterior, nas cerimônias, seu desenvolvimento visível, seu corpo, mas o mero corpo exterior da religião não tem serventia nenhuma se o espírito não vivificar.

I. Para começar, quero mostrar o que Jesus quis dizer quando pronunciou a frase acima, no seu contexto. Nos dias do nosso salvador havia algumas pessoas que admiravam a Cristo. Admiravam-no como homem, pensavam que havia uma eficácia milagrosa em sua carne e sangue. Foi então que Jesus lhes disse as palavras do nosso texto: “Só a minha carne para nada lhes aproveitará; é o espírito que vivifica”. Nós podemos afirmar esta verdade com muito cuidado, mas com muita clareza. Quando nosso salvador esteve na terra teve algumas pessoas que, poderíamos dizer, admiravam sua pessoa. Você lembra daqueles que disseram: “Bem aventurada aquela que te concebeu, e os seios que te amamentaram!”, e de como o Senhor os repreendeu, ele não deixava que as pessoas admirassem sua carne e pensavam muito de sua humanidade. “Não”, Ele respondeu, “Bem aventurados os que ouvem as palavras de Deus e as guardam!” Haviam outros que queriam fazer o senhor Jesus ser rei. A estes ele disse: “Minha carne se vocês a colocarem em um trono, não lhes aproveitará para nada. Eu não vim aqui para que vocês se curvassem diante de mim e venerassem a minha carne, para que pensassem que me admirar é religião. É o espírito, o evangelho que eu vim pregar, que beneficia. Não são essas ações externas; são os pensamentos e as palavras que eles interpretam que importam”. Ouça o que o salvador disse na frase seguinte: “Não será a admiração da minha carne de alguma utilidade para vocês, porque minha carne não serve para nada; é o espírito que vivifica, e, se vocês quiserem saber qual é o espírito da minha encarnação, eu lhes digo que as palavras que eu lhes digo são espírito e são vida. Não será a veneração da minha carne e sangue, mas das minhas doutrinas, a alma e coração da religião que eu quero que vocês sintam”.

Nosso salvador, entretanto, foi levado a fazer essas observações pelo fato de, quando falou sobre comer sua carne e beber seu sangue, os pobres judeus pensaram que ele queria que eles se tornassem canibais e o devorassem. Podemos sorrir com uma idéia assim ridícula, mas sabemos que a idéia ainda está em voga na igreja de Roma. O sacerdote romanista assegura solenemente que quem come o pão e bebe o vinho, ou aquilo que ele serve como pão e vinho, na prática age como canibal, comendo do corpo de Cristo e bebendo seu sangue. Você pode perguntar-lhe a sério:

--- Caro senhor isto é em termos figurados, não é mesmo, espiritualmente?

---Não --- diz ele, --- não é. Estou dizendo que quando pronuncio certas palavras sobre o pão, ele se torna corpo de Cristo, e depois que eu disse um abracadabra sobre o vinho, ele se torna sangue de verdade.

---Bem --- nós lhe respondemos, --- isto é mesmo interessante, e nós achamos que o senhor não espera que creiamos nisso, uma vez que Deus permitiu que nossas cabeças fossem ocupadas por cérebros; porém, mesmo que creiamos, caro senhor, mencionamos esta passagem que diz: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita”, enquanto o senhor diz ao povo que eles realmente estão ingerindo carne e sangue. Imagina que seja verdade; o mero corpo e sangue de Cristo não têm serventia terrena para eles --- mesmo que em sua carne eles o metam entre os dentes e façam descer pela garganta, não lhes seria de serventia maior do que comer carne ou sangue de outra pessoa. Isso não faria nada por ele; o próprio Cristo denuncia o erro da transubstanciação, declarando que sua carne e sangue não aproveitam para nada. Somente o espírito, o receber espiritualmente carne e sangue, que nos pode ser de algum proveito.

Enquanto estou aqui me permita dizer mais uma palavra, porque o papismo ainda tem força hoje em dia, e essa doutrina de que pão e vinho se transformam em carne e sangue de Cristo é um dos pilares do papismo. O Dr. Carson de Coleraine contradisse o Dr. Cahill de modo marcante. Ele desafiou o Dr Cahill para provar que pode transformar o pão e vinhos usados no sacramento no corpo e sangue de Cristo. Ele ofereceu cem libras ao Dr. Cahill se o deixasse preparar uma hóstia, para que o Dr. Cahill a colocasse na sua boca e a engolisse em sua presença.

---Se o Dr. Não estiver morto em uma hora, eu lhe darei cem libras.

---Não --- disse alguém, --- isto não é justo.

--- Bem, -- mas se ele sabe transformá-la no corpo e sangue de Cristo, ela não pode prejudicá-lo, não importa do que eu faça.

--- Quer dizer que o senhor a fará de veneno?

--- Sim do mais mortal que eu encontrar.

--- você realmente lhe daria veneno?

--- Eu não lhe daria veneno; ele é que o engoliria, por sua livre e espontânea vontade.

O Dr. Cahill retrocede, ele não tem como transformá-la no corpo e sangue de Cristo. Se pudesse, o Dr. Carson afirma que não lhe faria mal, pois o corpo e sangue de Cristo não podem envenenar. Entretanto alguns romanistas sábios dirão:

--- Isto não é justo. O Dr. Não tem a intenção de transformar veneno no corpo e no sangue de Cristo; só pão puro.

--- Está bem --- diz o Dr. Carson, --- vou testá-lo de outra forma: eu deixarei que ele escolha dentre sete ou oito rapazes católicos, depois transforme um litro de vinho a sua maneira no sangue de Cristo. O rapaz deve beber o litro de vinho e, se não estiver bêbado após seis horas, eu lhe pagarei as cem libras. Se isto é o sangue de Cristo, não o tornará bêbado; poderá beber um barril inteiro sem que o intoxique.

O Dr. Cahill não se arrisca a encarar o desafio, porque acho que ele logo descobrirá que este vinho embebeda o rapaz como qualquer outro vinho; por isso, não deve ter sido transformado em nada parecido com o sangue de Cristo, nem pelo próprio grande médico. O fato é que a mentira é tão palpável, a ilusão tão absurda, que qualquer criança de qualquer idade logo pensaria em acreditar na história do galo e do boi que gostávamos de ouvir em nosso tempo de criança, sobre o que o boi disse ser a verdade e o que o galo disse, antes de acreditar que seja realidade que um sacerdote ou qualquer outra pessoa no mundo pode pão e vinho em corpo e sangue. Ainda assim, mesmo que pudessem, observe as palavras do texto: “O espírito é que vivifica; a carne para nada aproveita”. Se, no fim das contas, o sacramento católico romano é realmente uma festa canibal com o corpo e o sangue de Cristo, isto não lhes traria proveito terreno; somente o sacramento em que recebemos a carne e o sangue de Jesus de uma maneira espiritual e assim temos comunhão com Ele é que nos dá vida.

Isso me leva a verdade específica a que quero chegar. Assim como Cristo Jesus foi a personificação da sua doutrina, e que não é sua carne mas o espírito da sua doutrina que aviva a alma, assim as formas e cerimônias externas que Cristo preparou com um corpo que contém o espírito, não há nenhuma serventia terrena se o Senhor não estiver nelas. Pensemos no batismo: ali estão o lago e a água; estes são, por assim dizer, a carne e o sangue da dedicação. Esta ordenança santa significa que nos dedicamos ao senhor Jesus. Imagine, porém, que nossos corações estejam em situação errada ou que não sejam convertidos --- imagine que não estamos sob influência do espírito no ato do batismo --- então o ato do batismo é como a carne do corpo: é coisa morta, sem nenhum proveito, porque está sem a alma. No próximo domingo teremos a mesa do Senhor: os servos de Deus quebrarão o pão, os diáconos da igreja servirão com mãos santas o vinho para cada um receber seu gole. Mas veja, não importa a reverência com que o ato é executado, se o espírito do Deus vivo não inspirar toda ordenança divina, “a carne”, isto é, a forma física da comunhão, não lhe aproveitará nada. Você pode participar de milhares de “sacramentos” e ser batizado numa miríade de lagos, tudo isto não acrescentará nem um “i” nem um “til” à sua salvação, se não tiver o espírito que o aviva.

Avancemos mais um pouco, não são só essas duas ordenanças que precisam ter o espírito em si: o mesmo vale para tudo o mais. Queridos amigos, vocês já leram sobre cristãos famosos que tiveram uma comunhão profunda com Cristo através da oração. Talvez você já tenha concluído que, se você fosse para casa e passasse tantas horas em seu quarto quanto eles, você teria o mesmo proveito que eles. Sem pensar no Espírito Santo, você ficaria em seu quarto como faria em qualquer exercício manual, na esperança de tirar proveito do simples gesto. Eu lhes digo, vocês podem ficar de joelhos até estes ficarem em carne viva e podem ficar em seus quartos até que o vapor da sua devoção escorra pelas paredes, mas se o espírito do Senhor não esteve com você naquele quarto, a simples prática carnal da oração não lhe traria mais proveito do que se estivesse cantando louvores à lua ou ficasse parado na rua vendo seus bens.

Outro ouve que certa pessoa foi muito abençoada com a leitura de um texto bíblico. “Oh!”, diz ele, “este texto foi uma bênção para o outro? Então vou ler o mesmo texto para mim”. Você acha que, se fizer o mesmo que o outro fez, você receberá a mesma bênção? Você terá uma surpresa decepcionante ao ler a passagem e descobrir que ela não lhe diz nada. Ela fez o espírito do outro saltar de alegria, encheu sua alma com o vinho do reino, mas para você ela é como um poço seco ou uma garrafa vazia. Por que isso? A simples letra com a qual a promessa foi expressa não lhe traz nenhum proveito; só o espírito da promessa, a vida do espírito que corre pelas veias da promessa é que pode ser-lhe útil.

Você ouve de outro que medita na lei de Deus dia e noite e se torna como uma árvore plantada junto aos ribeiros de água. Então você diz: “Eu tomarei providência para ler a cada manhã um capítulo e dois a cada noite”. Há pessoas que acham que, se lerem trechos grandes da bíblia, terão feito um bom negócio. Neste espírito não faz diferença se elas lerem trechos filosóficos, pois passam pelo texto sem entendê-lo. Muitos de nossos pastores pensam que devem ler trechos longos das escrituras no culto, por exemplo, três capítulos de Ezequiel, e ninguém sabe do que estão falando. Se lessem um sermão em holandês para um publico inglês, fariam o mesmo bem. O texto de Ezequiel fala de efas e rodas dentro de rodas, mas ninguém entende muito bem o que significam. Em vez de ler como fazia Esdras, explicando o texto para o povo, eles só lêem – passando por cima de cercas e fossos como numa competição a cavalo! Em vez de parar para quebrar as cascas e dar grãos de verdades para o povo, eles continuam lendo. Para pessoas assim podemos dizer: “Sua leitura Bíblica e só carne, que para nada lhe aproveita; o espírito é que vivifica. A mera carne, a simples forma externa da leitura bíblica não trará proveito para ninguém. Uma pequena porção da bíblia sobre a qual o pregador orou, avivada com orvalho do espírito, mesmo que seja uma frase curta com seis palavras, será uma bênção maior do que cem capítulos sem o espírito, porque são carne --- estão mortos. Este versículo curto com o espírito, traz vida”.

Não sei se consegui me fazer entender completamente; o que eu quero que todos compreendam é que não são as manifestações exteriores da nossa religião que salvam a alma e nos trazem proveito; é o espírito interior da coisa que o faz. Veja, eu não tenho problemas com nenhuma destas formas, assim como não tenho com nossos corpos só porque não são espíritos. Nossos corpos servem para habitação do espírito, e as formas são boas para o espírito que há nelas; mas a forma sem espírito, por mais enfeitada e aparentemente consagrada seja, não trará proveito eterno e salvação para a alma. “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita”.

Agora, prezado amigo Sr fulano, se você tomar um lápis e relacionar tudo o que fez nestes anos todos, o resultado será bem pequeno se o que estou dizendo é verdade. “Eu acho”, diz você, “que sou uma pessoa razoavelmente boa; tenho alguns poucos defeitos, mas veja tudo que eu fiz. Tenho ido a igreja quase sempre duas vezes a cada domingo desde que sou menino ---não me lembro de ter faltado, a não ser quando estava doente. Isto foi bom da minha parte, nada de errado. Leio a bíblia todas as manhas; oro com a família, o que também é muito bom da minha parte: outro ponto a meu favor. Faço minha orações a noite quando vou dormir e quando levanto de manha. Vou com muita freqüência aos cultos de oração. Não creio que alguém possa me acusar de alguma coisa; acho realmente que faço tudo para ser uma pessoa realmente religiosa”. Antes que você esqueça, acrescente no fim: “ obrigado, Senhor, porque não sou como as outras pessoas, injusta, aproveitadoras” etc., nem como aquele coitado lá, que quebra o sábado, que você viu indo na direção oposta quando você vinha para cá. É pena que você não terminou a frase; mas, mesmo que não o tenha feito com palavras, você a terminou em seu coração. Eu peço a Deus que lhe mostre que todas estas sua coisas bonitas não servem para nada. Veja você, com todas as suas idas à igreja – tudo é carne. Você nunca recebeu o espírito do Deus vivo; você não se atreve a dizer que recebeu. Bem, todas estas coisas não adiantarão nada para você. Só o espírito vivifica. Você sabe, caro Senhor, e deixe-me ser bem claro – você sabe que nunca entra no espírito da coisa. Apesar de ir regularmente ao culto, você sabe que não faria diferença se ficasse em casa, pois quando eles cantam, você não canta junto de todo o coração; quando o pastor prega, raras vezes algo toca você, exceto uma boa tirada intelectual que lhe agrada, em que você crê, que concorda com o que você pensa, e assim por diante. Você sabe que nunca aprendeu a mergulhar no interior da alma, na medula, nas profundezas da devoção. Você sabe que sua devoção é como aquele boi que certa vez foi morto no cerco de Roma e que serviu de mau agouro porque o adivinho que o abriu disse que não encontrou coração nele. Procurou em todas as entranhas e não achou o coração; por isso os romanos disseram que sua cidade devia ser destruída. Para eles era um presságio solene quando o sacrifício não tinha coração. O mesmo ocorre com você. Você fez todas aquelas coisas, sim, e houve tanta realidade em tudo que você fez como houve consagração no moinho do pobre calmuque que amarrou suas orações nele, e cada vez que o vento fazia as pás do moinho darem uma volta, ele contava uma oração a mais. Houve tanto conteúdo em suas orações como no moinho dele, ou seja, nenhum. É isso! Até onde você conseguiu ir? Não continue com esta rosca sem fim de rotinas inúteis. Não quero que você deixe de fazer estas coisas; mas pare e peça que Deus lhe dê o espírito interior que aviva, porque é verdade que “A carne para nada aproveita”.

A vocês que são filhos de Deus devo dizer o seguinte: quantas vezes vocês esqueceram disso? Eu sei que é rara a manhã em que saio do meu quarto sem orar. Todavia, muitas vezes sai do meu quarto sem o espírito de oração. Eu não gosto de passar o dia sem ter lido na escritura, mas temo que muitas vezes é só a “carne” da leitura e não o espírito soprando na palavra que recebo. Quantas vezes nossa consciência está satisfeita com a mera forma sem o espírito! Se fossemos mesmo o que deveríamos ser, jamais nos contentaríamos com a forma se não víssemos espírito nela. Mãe, você ficaria contente por ter em casa uma criança morta? Imagine que alguém lhe diga:

---Ora, esta criança é tão boa como sempre foi! Olhe para ela! Não perdeu nenhuma perna, braço ou outra coisa!

---Sim, mas---você responde, --- ela está morta.

---Bem --- diz outra pessoa, --- não há diferença. Ela está tão bonita como sempre esteve.

---Sim --- diz a mãe, --- mas há uma diferença grande entre quando ela estava viva e agora que está morta.

Agora transfira isto para suas pobres orações mortas, sua pobre leitura bíblica morta, seus pobres sacramentos mortos, suas pobres idas à igreja mortas e tudo isto! Quantos dos nossos sacrifícios não passam de pobres coisas mortas. Quando os trazemos, eles morreram durante a noite, e nós os oferecemos a Deus! Quantas vezes satisfazemos a nos mesmos tendo a “carne”, a forma exterior do sacrifício, esquecendo o espírito! Lembremo-nos que Deus só olha para a vida. Ele não procura o corpo; por isso, em tudo que fazemos para Ele, devemos cuidar primeiro do espírito depois podemos descansar, certos de que a carne e sangue da devoção tomarão conta de si mesmos.

II. Creio que este é o sentido da passagem. Entretanto, a maneira comum de entendê-lo, se a pessoa não presta atenção no contexto, é: “Bem, é o espírito que vivifica, isto é, o Espírito Santo; a carne para nada aproveita”. Nossos amigos que me desculpem se digo que o sentido não pode ser esse. Vocês percebem que o “e” no sentido é minúsculo. Se a referência fosse ao Espírito Santo, isto seria destacado, para fazer separação do espírito do qual acabei de falar --- o espírito interior, a vida da coisa. A palavra “espírito” aqui não é o Espírito Santo, porém mesmo assim a maioria dos leitores comum cometeria o erro e diria: “É o Espírito que vivifica; a carne para nada aproveita”. Este erro não lhe faz nenhum mal porque não é assim que está escrito, nem em outro lugar. Mesmo que fosse diferente neste texto, não o é em toda a bíblia, nem na experiência do cristão, de modo que as pessoas podem cometer erros bem piores do que este. Façamos, então, este erro, para depois voltarmos à verdade; “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita”.
Quanta vez pensou: “Vejo uma jovem ou rapaz na galeria; como olham com interesse durante a pregação!” Fui visitá-los, gostei do caráter deles. Eles se vestem e portam de modo agradável, há muito neles que qualquer pessoa faria bem em imitar e seguir. Pensei comigo: “que bom! Em breve irei acrescentá-los na igreja; há tanta coisa boa neles que a transição será fácil para eles. Eles são tão excelentes e de boa conduta que não terão dificuldade para dar o passo para dentro do reino do céu”. Não digo que tenho usado essas palavras, mas é assim que pensava em meu coração. Bem, houve um rapaz que veio ao culto certa noite, uma pessoa de aparência realmente esquisita. Ele entrou correndo numa quinta feira a noite perto do fim do culto, sem banho tomado nem nada; ele só entrou pensando encontrar algo que o fizesse rir. Eu não esperava vê-lo convertido. A próxima ocasião em que eu estava atendendo pessoas com problemas, ele veio mais ou menos limpo e bem vestido. Apesar disso eu o reconheci e lhe disse:

---Não foi você que entrou quinta feira a noite, depois de dar umas voltas por ai? Você tinha uma aparência realmente estranha.

---Sim--- ele respondeu, --- e o Senhor se encontrou comigo.

Bem, eu esperei muitas noites, e não vi o rapaz ou a moça vir ao culto. Porque? O Senhor estava ensinando o seu servo que “a carne para nada aproveita”. “Não”, disse o Senhor, aquele homem parecia estar longe de Deus, e aquele rapaz e a moça pareciam estar pretos de mim; eu poderia salvar um como o outro e, se quisesse demonstrar minha soberania, poderia até fazer publicanos e meretrizes entrar no reino do céu antes destes que, orgulhosos de sua moralidade, não se curvam diante de mim”. Vocês já não encontraram pessoas com um caráter tão peculiar que disseram; “É uma pena que ninguém pode falar com este homem”?

Eu costumo receber muitas cartas. Um pai me escreveu: “Eu gostaria que o senhor tomasse conta do meu filho. Ele é um jovem muito interessante; se o senhor colocasse a verdade diante dele de uma maneira que ele entenda, ele com certeza a abraçaria, porque, se o senhor soubesse como sua mente foi formada, o senhor diria que ele está muito bem preparado para receber o evangelho”. Bem, já me disseram isso uma dúzia de vezes, mas nem uma vez comprovou ser verdadeira --- nunca. “A carne para nada aproveita”. Não existe nenhuma mente mais preparada para as influências do evangelho que outra. Pecadores mortos são todos mortos e todos igualmente mortos. Alguns podem ser brancos e outros pretos; alguns podem ser bem lavados e vestidos, outros podem ter toda a lama da sensualidade deles; todos estão igualmente mortos e, quando a graça que converte começa a lidar com eles, encontra o mesmo tanto de trabalho a fazer num como no outro. Ela recebe a mesma ajuda de um coração como do outro – ou seja, nenhuma. Ela traz tudo consigo: acende seu próprio fogo com sua própria tocha, ela faz o seu fogo pegar com seu próprio sopro e não pede nada ao pecador, seja ele quem for.

Outra vez, temos alguém que diz: “Se aquele se convertesse, meu amigo, que cristão brilhante isso daria!” Ele tem um talento brilhante, grande capacidade intelectual, extensa fortuna. Se ele se convertesse que festa seria na igreja de Deus! O quanto ele poderia fazer”! Bem, você sabe, eu descobri que essas pessoas especiais, que seria alguma coisa quando se convertessem, depois que se convertem e nós conseguimos por a mão nele, acaba não sendo grande coisa!conheci um pastor que batizou um homem com muita alegria e felicidade. Foi no dia de ano novo, e lembro com que satisfação ele disse: “O Senhor enviou-me o melhor presente de ano novo que já tive!”E, olhando para o homem continuou: “Isto é que é irmão. Ele foi uma grande aquisição para a igreja; um homem de espírito tão ativo, de disposição mental tão excelente --- ele é tudo o que eu poderia desejar”. Bem, acontece que eu vivi o suficiente para ver este homem dividir a igreja e desalojar o pastor do seu púlpito, e ele ainda vive, um espinho na carne daquela igreja, um arbusto bem grande e bem cheio de espinhos que eles gostariam muito de arrancar, mas não tem força para fazê-lo. Não; O Senhor quer nos mostrar que “a carne para nada aproveita”. “Você pode ficar com ele”, diz o Senhor, se ele é um sujeito tão bom; leve-o, fique com ele; você descobrirá que ele não vale tanto, afinal de contas. Eu quero lhes ensinar que não há nada de tão bom na carne; só o espírito traz vida”.

Por outro lado, temos visto pessoas cuja carne não os ajuda em nada: os pobres, os marginalizados, os analfabetos, os desprezados; e temos visto a graça de Deus ascender um grande fervor em seus corações, e temos visto como eles ficam de pé, confiantes e fortes, apesar da nulidade da carne. Então dissemos: “Verdadeiramente, ó Deus, é impressionante como, quando a carne é fraca, tua graça é forte”. E ouvimos uma resposta da “Glória excelente”: “Sim, o espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita”.

Portanto, não creio que haja em alguma forma da nossa carne, ou em algum ato ou em qualquer coisa que nossa carne possa fazer, ou tentar fazer, ou pensar em, ou sugerir, que de alguma forma possa auxiliar na grandiosa obra espiritual da nossa salvação. Só o espírito vivifica; você descobrirá até o dia da sua morte que “a carne para nada aproveita” a não ser para o diabo, a quem com freqüência traz proveito; mas nos caminhos de Deus e no evangelho de Deus você sempre verá a carne competindo com o espírito e o espírito lutando com a carne.

Agora, meu irmão, para concluir, quero lhe fazer esta pergunta: Você já experimentou a influência Espírito Santo? E estas influências o levaram a adorar a Deus, que é espírito, “em espírito e em verdade?” Porque se não, mesmo que haja quem ponha você no berço das cerimônias e o embale até adormecer, eu não serei um deles. Mesmo que as pessoas digam que você está suficiente em ordem porque externamente é tão religioso, porque não trabalha no domingo, não diz palavrões, não se embriaga, eu o advirto que, se não nascer de novo de cima, você não verá o reino de Deus; e quando os bêbados, as prostitutas e todo o tipo de pessoas iníquas forem expulsas da presença de Deus, você compartilhará o destino delas, porque você está morto em pecados e precisa ser avivado pelo espírito. Não direi mais nada, além de suplicar solenemente ao Espírito do Deus bendito que toque os seus corações com seu pensamento solene e os leve a renunciar às obras da carne e a por sua confiança naquele que é o “Salvador de todos os homens, especialmente dos que crêem”.


Autor: Pr Charles Haddon Spurgeon
Extraído de: Spurgeon´s Sermons
Fonte: www.obreiroaprovado.com

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