sexta-feira, 5 de agosto de 2011

[Esboço para pregação] HÁ TEMPO DE AMAR

João 12.1-8
Leitura Complementar: 
Salmo 118.1-9;25-29

Será que Judas não tem razão? Ele reclama. Ele está indignado. Protesta contra um ato de desperdício sem igual, cometido frente a Jesus, um ato que até envolve a própria pessoa do Mestre. Judas é tesoureiro dos discípulos. Ele precisa ver, dia por dia, como ajunta o dinheiro necessário para comprar o pão e os peixes e o que mais faz falta para a manutenção de Jesus e de seus companheiros. Ele é que sabe calcular! Calcular para ele é a coisa mais importante da vida. Não admira que tenha logo reparado naquele vidro de perfume de nardo que Maria, irmã de Lázaro, levava nas mãos. É uma fortuna, aquele vidro. Vendido em casa de rico, poderá render trezentos denários. Trezentas moedas de prata! Era o que um trabalhador ganhava em um ano inteiro! Daria para as despesas de um mês, nesta sua pequena comunidade ambulante, mais uma porção de coisas, como esmolas por exemplo, e um reforço de sua caixinha particular, quem sabe, cai-xinha que ele mantinha em segredo, como garantia, caso aquele movimento de Jesus falhasse...

O que esta mulher fez é uma loucura! Quebrar aquele vidro caríssimo, derramar aquele bálsamo precioso, aquele perfume estrangeiro sobre os pés de Jesus: isso doía! Doía a um homem que sabia calcular, como ele. E depois de gastar aquela fortuna, depois de gastar à toa aqueles trezentos denários, esta Maria ainda faz outra loucura, outra coisa imprópria, que nunca se ouviu: enxuga os pés de Jesus, ainda molhados do perfume precioso, com os próprios cabelos! Não, isso tudo é passar do limite do bom senso. Judas se revolta. Ele resolve abrir a boca. Desta vez ele vai falar. É verdade, vai ser um escândalo, reclamar no meio do banquete que esta Maria, sua irmã Marta e seu irmão Lázaro estão dando para eles. Mas ele não pode ficar calado. E fala: "Por que não se vendeu este perfume por trezentos denários, e não se deu aos pobres?"

Vamos parar um pouco aqui. Vamos ignorar que Judas é um discípulo que, em seu coração, já se afastou de Jesus. Vamos ignorar que ele não se preocupa pelos pobres, mas que se preocupa mais por sua caixinha particular. Vamos ignorar que Judas é um discípulo desonesto. Vamos ouvir suas palavras como sendo uma pergunta séria a nós, a nossa comunidade, a nossa igreja. Porque se Judas tem razão, tanto faz se ele se preocupa, ou não, pelos pobres. Verdade é verdade! Então, aí está a pergunta: como é que nós lidamos com o dinheiro da igreja, com as ofertas dadas a Jesus e a sua comunidade? Onde é que estão os pobres, no orçamento de nossa comunidade, de nossa paróquia? Eles não entraram? Não foram levados em conta? Se isto for o caso, as palavras de Judas nos atingem. Porque os pobres realmente deverão ser uma preocupação para a comunidade de Cristo. "Dai-lhes vós de comer." Jesus o tinha dito a seus discípulos, embora na ocasião eles só tivessem cinco pães e dois peixes. Talvez para nós até seja bom que Judas nos lembre dos pobres. Nós, que somos capazes de gastar trezentos denários (vale dizer, dez salário mínimos) para comprar um televisor a cores, e esquecer que em nosso lugar há uma família que não consegue comprar nem um litro de leite por dia para o nené doentio! Assim, não vamos passar por cima daquilo que Judas diz, somente por ter sido Judas aquele que se lembrou dos pobres. Os motivos dele - que é que importam? Se os pobres não têm advogado de defesa entre nós, então até um Judas poderá servir para nos lembrar deles...

Mas o caso é que no dia em que Maria ungiu os pés de Jesus com aquele perfume precioso, os pobres tinham advogado. Um advogado melhor que Judas. Um advogado que realmente amava os pobres. Que lhes pregava o evangelho, que vivia em seu meio, que tocava as suas feridas, curava as suas enfermidades, que repartia com eles o pouco que tinha. Este advogado era Jesus. Lembremo-nos deste fato para não entendermos mal a mensagem de nosso texto. E o que Judas diz só se torna errado porque ele faz de conta que Jesus se tenha esquecido dos pobres. Notamos que sua reclamação contra Maria é, em verdade, uma reclamação dirigida contra Jesus. Judas não estava contente com a maneira com que Jesus lidava com os pobres. Ele deve ter achado que era um advogado melhor dos necessitados. Achava que o que importava, era distribuir dinheiro entre os pobres. Que o principal problema do ser humano era o dinheiro. Que tudo mais se resolvia, quando a base material da vida estava garantida.

Nós, que chegamos a conhecer Jesus Cristo e a amá-lo, sabemos que não é assim. O que Jesus trouxe aos pobres não era só pão. Ele amava os pobres, assim como amava todas as pessoas, com as quais lidava. Por isso compartilhava tudo com eles: sua vida, sua mensagem, seu amor - não só o seu pão. E isso, para nosso próprio relacionamento com os pobres (no país de pobres em que vivemos), faz uma diferença fundamental. Ainda hoje muitos se levantam em defesa dos pobres. Os motivos são os mais variados, nobres e menos nobres. Mas, se o motivo que os faz falar não for o amor, amor autêntico, então suas palavras não são sérias. Então eles têm segundas in-tenções. Os pobres às vezes se deixam enganar, ao menos por algum tempo. Depois vão notar que foram logrados, que um falso advogado lhes ofereceu pão, e depois os foi explorando, se foi apoderando deles, porque em realidade não ligava para eles. Ligava só para si mesmo, sua teoria sobre os pobres, sua honra e, quem sabe, sua posição de poder e a fortuna que poderia fazer, advogando a causa dos pobres e explorados.

Jesus diz: "Os pobres, sempre os tendes convosco." Não entendemos estas palavras como se Jesus quisesse dizer que os pobres não importavam tanto. Não! Ele quer dizer que os pobres sempre precisarão de nós, e nós dos pobres, e ai de nós, se os esquecermos! Ai de nós, se for necessário que um Judas se levante para nos lembrar deles. Se nos esquecermos de que temos por Senhor o único defensor e advogado dos pobres, que realmente os ama, e que os faz ser amados por seus discípulos! Ai de nós, se não amarmos os pobres, com todas as implicações, porque, se assim for, não estaremos trilhando o caminho de Cristo!

Mas, agora, voltemos a dar atenção àquela ação estranha de Maria. Gastar aquela fortuna num instante, com um gesto tão estranho, tão fora do comum! Derramar aquele perfume precioso, ungir os pés de Jesus, e depois enxugá-los com os próprios cabelos! Será que é um capricho momentâneo? Será que Maria se acha tão comovida, tão perturbada por dentro, que seu raciocínio, seu pensamento claro fica desligado? Será que ela não sabe o que faz, que se deixou levar pelos sentimentos de compaixão e de veneração por Jesus, esquecendo-se do suor e do trabalho que tinha custado aquele perfume precioso? Será que esta mulher não sabe contar até trezentos?

O nosso texto não fala dos motivos que levaram Maria a ungir os pés de Jesus e a usar os próprios cabelos como toalha. É bem possível que ela tenha sido perturbada. Talvez a única pessoa perturbada, abalada por dentro, entre todos os que cercavam Jesus nesta hora. Mas nós sentimos que esta perturbação, essa comoção interna, não era nenhuma loucura leviana. Se era loucura, era a loucura do coração, a loucura de um amor santo e ingênuo, a loucura do serviço humilde e abnegado.

Entendemos nós ao menos um pouco do segredo deste amor? O rapaz que ganha o salário mínimo e que compra um buque de rosas caras para sua noiva, ele entende um pouco deste segredo. O casal que faz um empréstimo acima de suas capacidades para poder levar o filho acidentado, de táxi, para o especialista de São Paulo, esse entende também. E quem coloca flores preciosas no altar da igreja, se o fizer com humildade, em gratidão a Deus, ele sabe do segredo também.

Mas ainda há mais uma coisa na atitude desta mulher: ela parece a única pessoa que, neste momento, realmente está vendo. Ela vê com os olhos videntes, os olhos abertos pelo amor. Ela antevê a morte de Jesus. É por isso que não pode reservar o perfume para depois. Depois só poderia servir para embalsamar um corpo morto. Ela precisa derramar o perfume agora, enquanto o seu Senhor está com vida. É como se nos quisesse lembrar: Não guardem as flores só para os túmulos das pessoas. Os vivos é que precisam delas. E precisam muito! Se até Jesus precisava de sinais de amor, ao enfrentar sua última luta, no caminho da obediência!

Veja Maria, com seu gesto fora do comum, agiu assim como Deus age. Deus é "mão aberta", ele é magnânimo, deixa o sol brilhar e deixa a chuva cair sobre bons e maus, sobre justos e injustos. Ele se dá ao luxo de criar flores e colibris e arco-íris, mesmo que nenhuma pessoa chegue a vê-los e admirá-los. Assim o amor de Jesus, a imagem de Deus Pai, nunca foi mesquinho. Ele "desperdiçou" o pão e os peixes, desperdiçou seu perdão, gastou sua vida aceitando os que ninguém queria, até um ladrão crucificado que a ele se confiava.

Assim entendemos, porque Jesus diz a Judas: "Deixa-a. Ela guardou isto para o dia em que me embalsamarem." Quer dizer: ela antecipou o que se costuma fazer com uma pessoa falecida. Deu mostras de seu amor, de sua comoção interna, por causa de meu sofrimento e de minha morte. Deixai-a. Entendei o que ela faz. E Jesus aceita, com brandura, a oferta de Maria. Faz os demais entender que é um conforto incomparável que recebeu por parte de uma discípula.

"Há tempo de buscar e tempo de perder, tempo de guardar e tempo de deitar fora" (Eclesiastes 3.6). Mas junto a Jesus, sempre há tempo de amar. E é isto que importa.

Oremos: Senhor, em tua presença aprendemos a amar de fato. Em tua presença aprendemos o que é comunhão dos santos. Louvado sejas por teu amor, que te fez dar a vida em nosso benefício. Nós queremos responder o teu amor com o nosso. Ajuda-nos para que em nosso dia-a-dia possamos servir-te como fiéis discípulos teus. Amém.

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Autor: Lindolfo Weingärtner


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