sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Práticas Devocionais - PRÁTICA DA HUMILDADE

A prática da humildade é a arte da contenção e privação da soberba e seus semelhantes: o orgulho, a vaidade, a jactância, a altivez de espírito, a auto-suficiência e a estima exagerada. Por sua natureza, a humildade tem de se alojar primeiro no íntimo para só depois se exteriorizar.

A humildade não é a negação pura e simples de dons, capacitação e virtudes pessoais, mas o sentimento constante da necessidade de Deus para se ter uma vida de vitória sobre o pecado e sobre as circunstâncias e cheia de frutos verdadeiros e saudáveis. Não é a mera rejeição de prêmios e coroas, mas a transferência destes para quem de direito, como acontece com os vinte e quatro anciãos no Apocalipse de João (Ap 4.9-11). Não é a autodesclassificação, não é a renúncia da inteligência, da sabedoria, da experiência, da força de vontade nem do trabalho árduo, mas a associação disso tudo com os recursos que promanam de Deus. Não é a inatividade, mas a atividade comandada e alimentada pela sabedoria e pela providência de Deus. Não há corno negar, a humildade é uma das virtudes mais difíceis e mais raras, possível apenas com auxílio do próprio Deus e pela zelosa imitação da humildade de Jesus.

A dificuldade da humildade decorre do fato de que ela tem de ser autêntica. Não pode ser aparente. Não pode ser fingida. Ou existe ou não existe. É uma virtude para Deus ver, e não para o homem ver. Há pessoas soberbas que conseguem dar uma aparência de humildade, o que não tem valor nenhum diante de Deus. Há pessoas verdadeiramente humildes, mais interessadas na humildade interior, que eventualmente podem dar a impressão de que não são humildes. Certamente é o caso do salmista quando diz: "Compreendo mais do que todos os meus mestres, porque medito nos teus testemunhos. Sou mais entendido que os idosos, porque guardo os teus preceitos". (Sl 119.99, 100.) Na verdade, o que o autor faz aí é uma apologia das Escrituras Sagradas, e não de si mesmo. Este é o tema de todo o salmo 119. É preciso tomar muito cuidado com a falsa humildade. A perfeita humildade de Jesus nunca foi sequer arranhada por frases como estas: "Eu sou o pão vivo que desceu do céu" (Jo 6.51); "Eu sou a luz do mundo" (Jo 8.12); "Eu sou o bom pastor" (Jo 10.11); "Eu e o Pai somos um" (Jo 10.30); "Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim mesmo" (Jo 12.32); "Eu sou o caminho e a verdade, e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim" (Jo 14.6). São Bernardo tem, pois, toda razão quando define a virtude da humildade como "o mais perfeito conhecimento de nós mesmos".

A SOBERBA É COISA SÉRIA

Mesmo na vida secular a soberba é tratada como algo perigoso. Diz-se com frequência que a soberba tem sido um dos motivos de derrotas surpreendentes no mundo esportivo. "Os eufóricos jogadores deixam a chuteira à beira do gramado e entram no campo de salto alto", comenta a torcida para zombar da auto-suficiência dos atletas. Para contornar a soberba e manter o necessário equilíbrio, Victor Hugo, depois de ouvir os elogios dos amigos, lia os jornais que o enxovalhavam. E, para evitar o pecado do orgulho de não terem transgredido, os monges de Cluny, na França do século 11, eram obrigados a se curvar diante dos que tinham transgredido.

A Bíblia trata com muita severidade o pecado da soberba. Eis aqui alguns exemplos;

1. A oração de Davi
Se não tivesse convicção pessoal do perigo da soberba, Davi não teria feito esta súplica; "Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então serei irrepreensível, e ficarei livre de grande transgressão" (Sl 19.13).

2. O provérbio de Salomão
Uma das frases mais sucintas e mais sábias sobre o orgulho é da lavra de Salomão; "A soberba precede a ruína, e a altivez de espírito a queda" (Pv 16.18). A Bíblia Viva prefere parafrasear assim: "A desgraça está um passo depois do orgulho; logo depois da vaidade vem a queda".

3- A citação de Pedro
Tanto Tiago (Tg 4.6) como Pedro (l Pe 5.5) trouxeram para o Novo Testamento outro provérbio de Salomão sobre a soberba; "No trato de uns com os outros, cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo aos humildes concede a sua graça". O nosso comportamento nessa área determina a atuação de Deus.

4. O cântico de Maria
Por ter sido escolhida para ser a mãe de Jesus, Maria ficou impressionadíssima com o trato que Deus dispensa aos soberbos, de um lado, e aos humildes, do outro. O Poderoso dispersou os que no coração alimentavam pensamentos soberbos, derrubou de seus tronos os poderosos e despediu vazios os ricos. Todavia exaltou os humildes, encheu de bens os famintos e amparou a Israel (Lc 1.46-55). O anjo Gabriel disse que ela era "muito favorecida" (Lc 1.28). Isabel lhe disse: "Bendita és tu entre as mulheres" (Lc 1.42). E as gerações futuras diriam que ela era uma mulher bem-aventurada (Lc 1.48), mas Maria se dizia "serva do Senhor" (Lc 1.38,48).

TRATAMENTO DE CHOQUE

A soberba é um problema tão sério que exige uma série de medidas de caráter radical para acabar com a doença. Veja estes dois exemplos:

1. O caso do Egito
Foram necessários quarenta anos de desolação e dispersão para curar a soberba do Egito e tornar o país "o mais humilde dos reinos". A vaidade do Faraó dessa época era tanta que ele dizia a respeito do rio Nilo: "O meu rio é meu, e eu o fiz para mim mesmo" (Ez 29.1-16).

2. O caso de Nabucodonosor
A soberba do rei da Babilônia foi semelhante à do rei do Egito. Mesmo prevenido em sonhos por Deus com um ano de antecedência e exortado por Daniel a pôr termo em seus pecados pela prática da justiça, Nabucodonosor não se humilhou diante do Senhor: "Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei para a casa real, com o meu grandioso poder e para glória da minha majestade?" (Dn 4.30.) Logo depois de haver proferido tais palavras cheias de arrogância, cumpriu-se a profecia do Senhor e a árvore cuja altura chegava até ao céu foi de súbito derrubada: Nabucodonosor teve um distúrbio mental que o levou a passar algum tempo na companhia dos animais do campo, como se fosse um deles, até aprender que o "Altíssimo tem domínio sobre o reino dos homens, e o dá a quem quer" (Dn 4.32) e "pode humilhar aos que andam na soberba" (Dn 4,37).

PREVENÇÃO DA SOBERBA

Outro expediente que mostra a seriedade e o malefício da soberba foi o cuidado de Deus em colocar em Paulo o estranho mas eficaz espinho na carne, que no entendimento do apóstolo era "mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte" (2 Co 12.7). (A paráfrase da Bíblia Viva diz: "Deus ficou receoso de que eu me inchasse".)

Todos os homens são propensos à vaidade, sobretudo depois do sucesso, depois de certos privilégios, depois dos elogios. Paulo não era exceção à regra. Ele havia sido arrebatado ao terceiro céu e ouvido palavras inefáveis. O espinho na carne, embora incômodo e humilhante, tinha o propósito de reduzir o risco de Paulo começar a chamar a atenção dos outros para si mesmo e para aquela experiência inaudita.
Por três vezes o apóstolo orou ao Senhor para que o retirasse e por três vezes Deus não satisfez o seu desejo e lhe disse: "O poder se aperfeiçoa na fraqueza" (2 Co 12.9). Ao final, Paulo entendeu o que estava acontecendo e aceitou alegremente as regras do jogo: "Quando estou fraco, então sou forte — quanto menos tenho, mais dependo dele" (2 Co 12.10, BV). Graças a essa medida preventiva, Paulo nunca foi encostado, nunca deixou de produzir frutos, nunca cometeu escândalo. "O primeiro passo rumo à humildade", lembra C. S. Lewis, "é o reconhecimento do nosso orgulho". Os espinhos na carne que Deus distribui por aí ajudamos homens a recusar vezes sem conta o pedestal que a cultura mundana associada à vontade de aparecer quer construir para eles.

SUCESSO COM HUMILDADE

O sucesso faz parte dos planos de Deus para o homem. Sucesso na vida devocional, no casamento, na criação e educação dos filhos, nas relações humanas, no exercício da profissão e no desempenho dos dons do Espírito. Desse sucesso global, depende, sob a perspectiva humana, a velocidade da implantação e da plenitude do reino de Deus na terra. Uma vez satisfeitas todas as exigências de Deus, o sucesso está garantido: "Tão somente sê forte e mui corajoso para teres o cuidado de fazer segundo toda a lei que meu servo Moisés te ordenou; dela não te desvies, nem para a direita nem para a esquerda, para que sejas bem sucedido por onde quer que andares" (Js 1.7). Na verdade, o sucesso é inevitável para quem está plantado junto às águas: "Tudo quanto ele faz será bem sucedido" (Sl 1.3). Essa promessa não se encontra apenas no Velho Testamento. Jesus chegou a dizer que o sucesso de seus discípulos é uma das expressões de louvor a Deus: "Nisto é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto" (Jo 15.8).

Todavia há alguns fatores que devem ser cuidadosamente lembrados:

1. O papel da videira
O sucesso está condicionado ao relacionamento pessoal e permanente com Jesus: "Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e Eu, nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" (Jo 15.5). Paulo também fala sobre isso: "Graças, porém a Deus que em Cristo sempre nos conduz em triunfo, e, por meio de nós, manifesta em todo lugar a fragrância do seu conhecimento" (2 Co 2.14). Assim como a locomotiva movida a eletricidade não corre se não estiver continuamente se encostando num fio de alta tensão, o crente não anda e nada produz se não estiver ligado à fonte de todo poder, que é Deus. Esta é a experiência de Paulo: "Tudo posso naquele que me fortalece" (Fp 4.13).

2. O papel da humildade
Porque impede o desenvolvimento da auto-suficiência e leva o crente a buscar constantemente a direção, o auxílio e a bênção de Deus, a verdadeira humildade redunda numa vida bem-sucedida. Daí o raciocínio de Paulo: "Quando sou fraco, então é que sou forte" (2 Co 12.10). A explicação que a Bíblia dá para o fenomenal sucesso de José em qualquer lugar (na casa de Potifar, no cárcere e no trono do Egito) e em qualquer circunstância (amado, invejado, caluniado e honrado) é sempre a mesma: "O Senhor era com José" (Gn 39.2,3,21,23.) A expressão é aplicada também ao sucesso de Davi: "O Senhor era com Davi" (l Sm 18.12, 14, 28; 2 Sm 5.10; 7.3; 8.14).

3. O papel da vigilância
Se a humildade não for prudentemente mantida, com certeza o sucesso fomentará a soberba e esta, por sua vez, a ruína. Assim, uma história de sucesso vai inexoravelmente por água abaixo. É nesse caso que o sucesso leva ao fracasso. Daí o cuidado de algumas pessoas em proclamar não as suas virtudes, mas as grandezas do Senhor: "Para muitos sou como um portento, mas Tu és o meu forte refúgio" (Sl 71.7); "Se não fora o auxílio do Senhor, já a minha alma estaria na região do silêncio" (Sl 94.17); "Não fosse o Senhor, que esteve ao nosso lado, [...] as águas nos teriam submergido" (Sl 124.1-5); "A nossa suficiência vem de Deus" (2 Co 3.5). Como prevenção contra a soberba, o povo de Israel deveria ter sempre em memória os benefícios do Senhor: "Não digas, pois, no teu coração: A minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas riquezas" (Dt 8.17).

HUMILDADE SEM MEDO

Muitos têm medo da humildade. Acreditam que ela não leva a nada, não produz resultado algum, é perda de tempo, é nadar contra a correnteza, é expor-se à exploração alheia. O medo decorre da lei do mais forte, que prevalece desde a queda do homem e cada vez mais se amplia. A cultura mundana valoriza a soberba, e não a humildade. Dá mais valor à roupa, ao nome, aos títulos, aos diplomas, aos anéis, ao dinheiro, ao status social, à pose, ao poder, e não reconhece o valor da piedade, da religiosidade, da santidade de vida e da modéstia cristã. Daí o medo de ser esmagado pela multidão ao tentar sair dela e ser diferente. Embora até certo ponto razoável, o medo da humildade desaparece quando o crente se conscientiza de que ela é de fato a chave do verdadeiro sucesso e de que, na difícil prática da humildade, ele pode contar com a proteção da poderosa mão de Deus: "Sejam humildes debaixo da poderosa mão de Deus para que Ele os honre no tempo certo" (l Pe 5.6, BLH). Entre ser honrado aqui e agora pêlos homens e ser honrado por Deus, a diferença é enorme. A humildade também tem galardão, tanto nesta vida como na que há de ser. É melhor ficar livre de qualquer medo!


Autor: Elben M. Lenz Cesar

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