terça-feira, 5 de outubro de 2010

Práticas Devocionais - PRÁTICA DA INTROSPECÇÃO

A prática da introspecção é a arte de investigar-se acuradamente a si mesmo com o propósito de localizar os erros e os acertos, as boas qualidades e as más qualidades, a virtude e o pecado, o sucesso e o fracasso, sempre sob a perspectiva cristã. Embora a Bíblia ensine e reforce o valor da auto-sondagem, não se pode dispensar a sondagem realizada pelo próprio Deus, em resposta à oração.

Depois do Pai Nosso talvez a oração mais repetida pelos cristãos seja a famosa oração do rei Davi: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno" (Sl 139.23, 24). É bom notar que no início do salmo. Davi reconhece a plenitude da onisciência de Deus e por essa razão faz as seguintes asseverações: "Tu me sondas e me conheces"; "Sabes quando me assento e quando me levanto"; "De longe penetras os meus pensamentos"; "Ainda a palavra me não chegou à língua, e Tu, Senhor, já a conheces toda"; "Tal conhecimento é maravilhoso demais para mim" (Sl 139.1-6). É muito provável que esse pedido de sondagem esteja intimamente relacionado com a tremenda dificuldade do salmista em admitir plenamente o grave pecado que ele cometeu contra Urias, contra a família, contra o povo e contra Deus por ocasião de seu adultério com Bate-Seba (2 Sm 12.1-15). A prática da introspecção é em extremo necessária por causa da dificuldade nata que todos temos de admitir e nomear as próprias faltas: "Quem há que possa discernir as próprias faltas?" (Sl 19.12.)

OS VERBOS DA INTROSPECÇÃO

Há pelo menos quatro verbos nas Sagradas Escrituras que expressam a ação da investigação do conteúdo humano, de seu comportamento, de suas tendências, de seus desejos e de seus segredos. Embora não sejam sinônimos perfeitos, todos eles levam à introspecção.

O primeiro é examinar e denota a ação de considerar, investigar, observar, analisar atenta e minuciosamente. É usado nas instruções para a celebração da Ceia do Senhor: "Examine-se, pois o homem a si mesmo, e assim coma do pão e beba do cálice" (l Co 11.28). O mesmo verbo aparece nesta exortação: "Concentra-te e examina-te, ó nação, que não tens pudor [...] Antes que venha sobre ti o furor da ira do Senhor" (Sl 2.1).

O segundo é esquadrinhar e denota a ação de investigar a área toda miudamente, pedaço por pedaço, quadrinho por quadrinho. No salmo 10, lê-se que Deus esquadrinha a maldade do perverso até nada mais achar (v. 15). O autor do famoso salmo 139 diz: "Esquadrinhas o meu andar (o homem na posição vertical, na parte clara do dia) e o meu deitar (o homem na posição horizontal, na parte escura do dia), e conhece todos os meus caminhos" (v. 3).

O terceiro é sondar e denota a ação de examinar profundamente todo o interior, como se fosse com o auxílio de uma sonda, aparelho com o qual é possível conhecer o fundo do mar, o subsolo, a atmosfera (sonda meteorológica), o espaço (sonda espacial), a lua (sonda lunar) e o organismo (sonda uretral, sonda vesical etc.). Daí a súplica do salmista: "Sonda-me [enfia uma sonda dentro de mim], ó Deus, e conhece o meu coração" (Sl 139.23.) Salomão ensina que a sondagem de Deus é mais válida que a autocrítica: "Todo caminho do homem é reto aos seus próprios olhos, mas o Senhor sonda os corações" (Pv 21.2).

O quarto verbo é provar e denota a ação de submeter a pessoa a um teste para ver como ela pensa, sente e reage. Assim como o crisol prova a prata, e o forno, o ouro, o Senhor prova os corações (Pv 17.3). O que aconteceu com Abraão no monte Moriá foi uma prova gigantesca, da qual o patriarca saiu vencedor e tremendamente fortalecido: "Pela fé Abraão, quando posto à prova, ofereceu Isaque" (Hb 11.17).

ÁREAS DE SONDAGEM

Para você se conhecer a si mesmo, a sondagem tem de ser ampla e profunda. Nenhuma área de sua vida deve ser poupada desse exame meticuloso, porque numa delas pode estar alojado o foco da infecção moral de que você é possuidor. Faça um exame completo, sem medo, sem reservas. Sem diagnóstico não há tratamento e sem tratamento não há cura.

1. E preciso sondar a nascente de tudo
Na linguagem do profeta Jeremias, Deus é capaz de provar "o mais íntimo do coração" (Jr 11.20). É dele que "procedem as fontes da vida" (Pv 4.23). Daí a conhecida oração: "Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração" (Sl 139.23).

2. E preciso sondar as razões pessoais
Por que penso assim? Por que falo assim? Por que me comporto assim? Por que ajo assim? Nem sempre a motivação é pura. Nem sempre conhecemos a verdadeira motivação. Por exemplo, os que pregam o evangelho nem sempre o fazem por amor a Cristo ou por causa da condenação eterna dos que se perdem, mas "por inveja e porfia", como registra o apóstolo Paulo (Fp 1.15).

3. É preciso sondaras reações a que estamos sujeitos
De acordo com o Aurélio, reação é a resposta que você dá "a uma ação qualquer por meio de outra ação que tende a anular a precedente". O estudo de nossas reações revela o conteúdo de nossa espiritualidade. Veja a reação de Caim quando Deus não se agradou de sua oferta (Gn 4.5), a reação de Lameque quando um rapaz lhe pisou (Gn 4.23), a reação de Moisés quando viu a adoração do bezerro de ouro (Êx 32.11) e a reação do jovem rico quando Jesus ordenou que ele vendesse os seus bens em favor dos pobres (Mc 10.22).

4. É preciso sondar a consciência
Nem sempre é seguro apoiar-se na consciência. Com o apoio dela você pode fazer bobagens e cometer erros graves. Lembre-se que a consciência pode ser boa (l Tm 1.5), limpa (l Tm 3.9) e pura (2 Tm 1.3), mas também fraca (l Co 8.7), corrompida (Tt 1.15) e cauterizada (l Tm 4.2).

5. É preciso sondar o caráter
O seu modo tradicional de ser, de sentir e de agir inclui só boas qualidades? Não havia em todo o Israel homem tão celebrado por sua beleza e perfeição física quanto Absalão, mas esse filho de Davi tinha um péssimo caráter (2 Sm 14.25). Já Timóteo não parecia fisicamente muito saudável (l Tm 5.23), mas possuía um caráter provado (Fp 2.22).

6. É preciso sondara fé
Veja a exortação: "Examinai-vos a vós mesmos se realmente estais na fé" (2 Co 13.5). Pode dar-se o caso de você ter fé sem obras (Tg 2.14), pequena fé (Mt 6.30) ou fé nenhuma (Mt 13.58). Também pode acontecer o caso contrário, de você ter fé sem hipocrisia (l Tm 1.5), grande fé (Mt 15.28) ou estar cheio de fé (At 6.5). Investigue a qualidade e o nível de sua fé.

7. É preciso sondar o amor
O amor a Deus e ao próximo é de suma importância. Dele dependem "toda a lei e os profetas" (Mt 22.40). Deus nos submete a testes para provar a sinceridade, o tamanho e a força de nosso amor. O amor não pode ficar só em palavras — o próprio Deus diz que ama e prova esse amor "pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores" (Rm 5.8). Deixe que de vez em quando Jesus lhe faça a mesma pergunta que dirigiu a Pedro: "Tu me amas?" (Jo 21.16.)

8. É preciso sondar o trabalho
Por vezes há mais palavras do que ação, há mais planejamento do que execução, há mais promessas do que esforço, há mais relatórios do que atividade, há mais dispersão do que concentração, há mais foguetório do que amor, há mais ambição do que prestação de serviço. São riscos a que você está sujeito. Daí a validade da exortação: "Prove cada um o seu labor" (Gl 6.4). Essa sondagem deve ser levada muito a sério tendo em vista a seleção que Deus há de fazer de nossas obras no dia de Cristo. O que for comparado à madeira, feno e palha há de ser destruído pelo fogo, e o que for comparado a ouro, prata e pedras preciosas há de ser preservado (l Co 3.10-15).

9. É preciso sondar o comportamento diário
O que você pensou hoje, o que você viu e ouviu hoje e o que você fez hoje — foi tudo do agrado de Deus? A santificação progressiva depende desse cuidado, dessa avaliação, dessa sondagem. Sem ela não pode haver confissão de pecado e restauração. É a sondagem bem feita que nos transporta do caminho mau para o caminho eterno (Sl 139.24).

SONDAGEM DE CIMA

A Bíblia atribui o exercício da sondagem especialmente à atuação de Deus. É Ele quem esquadrinha (Sl 139.1-6), quem sonda (Ap 2.23) e quem prova (Sl 11.5). A sondagem de Deus é a mais séria, mais profunda, mais completa, mais justa e mais confiável. Deus é o sondador por excelência: "Todas as igrejas conhecerão que Eu sou aquele que sonda mente e corações" (Ap 2.23). Ele provoca, incita, excita e leva a cabo a prática da introspecção. Deus é extremamente sábio, eficiente e. original no exercício desta misericórdia.

Às vezes, uma simples pergunta de Deus é suficiente para levar alguém a conhecer-se a si mesmo. Foi assim com Adão: "Quem te fez saber que estavas nu? Comeste da árvore de que te ordenei que não comesses?" (Gn 3.11.) Foi assim com Caim: "Por que andas irado? E por que descaiu o teu semblante?" E ainda: "Onde está Abel, teu irmão?" (Gn 4.6, 9.) Foi assim com Elias, quando o profeta estava profundamente desanimado no interior de uma caverna no monte Horebe: "Que fazes aqui, Elias?" (l Rs 19.9, 13.) Foi assim com Jonas: É razoável essa tua ira? (Jn 4.4.) Foi assim com o leproso agradecido: "Não eram dez os que foram curados? Onde estão os nove?" (Lc 17.17.) Foi assim com Pedro: "Amas-me mais do que estes outros?" (Jo 21.15.)

Outras vezes, Deus produz o mesmo resultado por meio de uma ordem qualquer, aparentemente sem muito nexo. Foi assim com a mulher samaritana: "Vai, chama teu marido e vem cá". E deu certo, pois a mulher trouxe à baila a sua vida irregular: "Não tenho marido". (Jo 4.16-18.) Foi assim com o jovem rico: "Vai, vende tudo o que tens, dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; então vem, e segue-me". E deu certo, pois o moço deve ter enxergado a distância que ainda o separava da vida eterna, não obstante o seu compromisso moral com o Decálogo (Mc 10.17-22).

AUTO-SONDAGEM E SONDAGEM ALHEIA

O homem, porém, não está isento da auto-sondagem. Tem a obrigação de examinar-se a si mesmo (l Co 11.28), esqua¬drinhar os seus caminhos (Lm 3.40) e provar o seu labor. (Gl 6.4.) Para tanto, é necessário parar de mentir a si próprio, acabar com as eternas desculpas, confessar tudo que sabe de errado, cultivar a capacidade de ouvir repreensões, preocupar-se primeiro com a trave que está em seu próprio olho e depois com o argueiro que está no olho de seu irmão (Mt 7.3), e dar-se ao trabalho de conhecer o seu íntimo.

Em alguns casos a sondagem se inicia e até mesmo se desenrola por meio da participação de um parente, amigo, irmão na fé ou guia religioso. Davi precisou do profeta Natã para tomar conhecimento de sua grave crise espiritual (2 Sm 12.1-15). Daí a validade da mútua exortação preconizada na Epístola aos Hebreus: "Exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo que se chama Hoje, a fim de que ne-nhum de vós seja endurecido pelo engano do pecado" (3.13).

Precisamos temer o endurecimento progressivo. Ele provoca a perda da sensibilidade espiritual. E o caso do pastor da igreja em Laodicéia, que se dizia rico e abastado quando, na verdade, era "infeliz, sim, miserável, pobre, cego e nu". Essa personagem foi aconselhada a usar colírio para enxergar-se, antes que fosse definitivamente vomitado da boca de Deus (Ap 3.14-22).


Autor: Elbem M. L. Cesar

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